quarta-feira, 5 de março de 2014

CARNAVAL e QUARESMA: 
nada a ver... ou tudo a ver?
A conclusão é sua.


Estamos encerrando uma etapa importante, que mexe com o Brasil todo: o Carnaval. Estamos começando outra etapa que deve mexer com a vida de todos e com as estruturas da Igreja e da sociedade: a Quaresma, tempo de preparação para a Páscoa. Podemos nos inspirar  nessas duas grandes Festas: o Carnaval e a Páscoa.

Quaresma, em outros tempos, parecia um período de tristeza, de fechamento e recolhimento de cada um em seu mundo pessoal, procurando apenas a salvação individual. Hoje, graças ao aprofundamento da Palavra de Deus e ao avanço da reflexão da Igreja, Quaresma é um tempo abençoado de preparação para o maior acontecimento do Cristianismo: a Páscoa.
É tempo de abrir-se para Deus e para os outros, renovar a esperança e buscar novo sentido para a vida; é tempo de erguer a cabeça pela força do Senhor Ressuscitado; é tempo de assumir projetos em favor da ressurreição de tantas vidas que estão mortas, de tantos valores que estão no túmulo de muitas organizações sociais ainda injustas; é tempo de revitalizar tantas coisas boas que estão morrendo em algumas famílias, comunidades e, talvez, em nossos corações.

O Carnaval é a concentração-mobilização de milhares de pessoas nos Blocos, nas Escolas de Samba, nas ruas... Milhões de pessoas pelo Brasil afora... povo nas ruas...
A Quaresma, como lemos na Bíblia, é também uma grande concentração que mobiliza: Toquem a trombeta, proclamem um jejum, convoquem uma assembléia, reúnam o povo, organizem a comunidade, chamem os velhos, reúnam os jovens e as crianças; que os casais e sacerdotes participem, ampliando os horizontes do seu mundo pessoal, proclamando que o Senhor nosso Deus tem piedade do seu povo. (cf. Joel 2,12-18).
É por isso que rezamos com fé: Suba a Ti, ó Deus Pai, como prece, a oferta da nossa participação. Cremos que, se o teu Reino de Amor acontece, a vida da humanidade se renova.

A preparação para o Carnaval é feita de sacrifícios, o ano inteiro: quanta gente se abstendo de tantas coisas! Quando jejum, quantas horas de vigília! Quantas pessoas doando tudo de si, não como uma “esmola obrigatória”, mas como “sinal de pertença” a um grupo, a uma entidade! Quanta dedicação para que a grande Festa Popular aconteça. Hoje, para muitos e em diversos lugares, no preceito da “abstinência”, a carne é quase um símbolo. A realidade da vida do povo mudou, mas o sentido e o valor da proposta cristã continua atual: privar-se de algo em favor de mais vida para mais gente. Pela solidariedade, pode-se ajudar aqueles que sofrem todo tipo de privações... Este é o desafio da abstinência de carne e do jejum quaresmal: privar-nos de algo para que outros não fiquem privados de vida, saúde, alegria e de tantos outros bens necessários à dignidade humana.
É por isso que rezamos: Suba a Ti, ó Deus Pai, como prece, nossa oferta de jejum e solidariedade, nossos sacrifícios e experiências para que, nesta Quaresma, o teu Reino de Amor aconteça e a vida do povo se renove em dignidade e felicidade.


No Carnaval, quando o povo vai para a Avenida, desaparecem os rostos tristes e cansados, o abatimento pelas dificuldades, as marcas do sofrimento e dos sacrifícios do ano todo. Afinal, a Festa é de Alegria!
No Evangelho da abertura da Quaresma, Jesus nos desafia a assumir o sacrifício da conversão, não como os hipócritas que desfiguram o rosto, mas como quem acredita na vida, por isso apresenta seu rosto lavado e sua cabeça perfumada (Mt 6,16-18).
Quaresma é tempo de penitência e conversão, mas não é tempo de tristeza. É tempo de reanimação por causa do Senhor Ressuscitado, por causa dos projetos em favor da vida, por causa de tantas vidas que estão aí, precisando ser “ressuscitadas”. Isso aparece até no Ritual das Cinzas, do qual muita gente participa na chamada “quarta-feira de cinzas”.
Em outros tempos, ao recebermos as cinzas sobre nossa cabeça, ouvíamos as palavras: “Lembra-te, ó homem, que és pó e ao pó voltarás!” Hoje, o símbolo das cinzas continua, mas a proposta é mais radical e abrangente, mais significativa e dinâmica: “Converta-se e creia no Evangelho!” Em tempos idos, as pessoas eram levadas a pensar mais na morte; hoje, são desafiadas a pensar na vida e a fazer ações em favor da vida. Isso é conversão!

Observando a “massa popular” que, no Carnaval, enche as Avenidas, nossos olhos se enchem com a beleza e o colorido das fantasias e alegorias, com o ritmo e a leveza das danças e coreografias: tudo tem história e sentido, harmonia e articulação. Parece até que as pessoas aceitam desaparecer e ficar escondidas numa fantasia, pois importa é que o recado de sua Escola ou grupo seja transmitido.
Nesta Quaresma, preparando a grande festa da Páscoa, pela Palavra de Deus somos convidados a “vestir a armadura de Deus, a colocar o cinto da verdade e a couraça da justiça; a pôr nos pés o zelo da propagação do Evangelho e a ter na mão o escudo da fé; colocar o capacete a salvação e pegar a espada do espírito” (Ef 6,13-17) e transmitir recados de Deus.
É por isso que oramos: Suba a Ti, ó Deus Pai, como prece, a oferta de nossa caminhada quaresmal. Assim, vendo-nos revestidos com as vestes da vida e da esperança, todos crerão que o teu Reino de Amor está acontecendo no quotidiano das casas e instituições, e o teu “recado de salvação” chegando a todas as pessoas.

O eixo ao redor do qual gira a vida no Carnaval é o “samba-enredo”: o povo repassa muito de sua história e expressa seus desejos, esperanças e experiências, canta as alegrias e as dores que carrega na alma... Todos aprendem e todos cantam empolgados, tanto na avenida como nas arquibancadas... Na Quaresma, que é também o período da Campanha da Fraternidade, a Igreja Católica propõe cânticos que, de Norte a Sul do Brasil, podem traduzir os clamores do povo e as propostas de Deus. É bom que todos aprendam e todos cantem. Pelos cânticos, é repassado o grande tema, o “enredo” da nossa Igreja, para o ano em curso: “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1).
Então, nossa oração será forte e nos fortificará: Suba a Ti, ó Deus Pai, como prece, a oferta dos ensaios e todas as vezes que os cantos da CF são entoados. Através disso, todos acreditarão que o teu Reino é de Amor e vai acontecendo na história do teu povo..

No Carnaval, a Bateria de cada Escola de Samba tem sua Madrinha, geralmente uma mulher que tem beleza e ginga e é conhecida e querida pelo povo. Preparando nossa Páscoa, contamos com a proteção de nossa Padroeira, nossa querida Madrinha: Maria, Mãe de Jesus: mulher com o belo  gingado da vida, conhecida e amada pelo povo. Com ela, nos sentimos capazes de percorrer o caminho da conversão!
É através de nossa Madrinha Maria que fazemos esta oração: Suba a Ti, ó Deus Pai, como prece, a oferta de nossa caminhada, nossa disposição de converter-nos e crer no Evangelho, de abraçar a proposta do Bem, com Maria. Temos certeza de que, se caminharmos com Maria, o teu Reino de Amor acontecerá.

O Carnaval é uma das maiores festas populares. Acontece uma mobilização geral. Mas, ninguém é ingênuo a ponto de ignorar os problemas, os abusos, a destruição de tantas vidas, os estragos no corpo e na alma que acontecem durante o Carnaval.
Neste tempo de preparação para a Páscoa, tomamos consciência dos estragos e falta de vida em tantas famílias e na sociedade toda. Por isso, somos convidamos a vivenciar na fé este tempo de Graça, que é a Quaresma.
Na abertura deste tempo litúrgico, oramos juntos: Suba a Ti, ó Deus Pai, como prece, nossos trabalhos e nosso lazer, nosso convívio e nossos compromissos. Sabemos que, se o teu Reino de Amor acontece, a Festa da Ressurreição será um grande e permanente abraço de salvação da humanidade.
Na passagem do Carnaval para a Quaresma, quando os confetes dão lugar às cinzas, as fantasias coloridas e brilhantes são substituídas pela cor quaresmal, assumimos na Fé a construção de um caminho pascal, mantendo viva na alma a “fantasia da caridade” (João Paulo II em NMI 50).

Carnaval e Quaresma: 
nada a ver... ou tudo a ver com a Vida?
Você decide!


Da CARTA APOSTÓLICA  NOVO MILLENNIO INEUNTE (NMI),  de João Paulo II – Ano 2000:
50. [...] É hora duma nova “fantasia da caridade”, que se manifeste não só nem sobretudo na eficácia dos socorros prestados, mas na capacidade de pensar e ser solidário com quem sofre, de tal modo que o gesto de ajuda seja sentido, não como esmola humilhante, mas como partilha fraterna.”